domingo, 14 de dezembro de 2008

No dia seguinte ninguém morreu...


O ponteiro dos minutos não se deve ter movido dez vezes, desde que fechei a contra-capa de As Intermitências da Morte, de José Saramago, e iniciei este texto.

Pensar nas correctas e não ordinárias, quero dizer extraordinárias, palavras para adjectivar sobre o livro que acabo de ler é quase claustrofóbico, cinjo-me ao vulgo. Genial.

Companheira fiel, mais do que a vida, é a morte, disso já sabemos. Mas talvez não pensamos, não discorremos, não nos atrevemos sequer, por distracção, temor, ou ignorância, que vamos de facto morrer. Falo na primeira pessoa do plural, porque todos nós, humanidade, sem excepção, morreremos. Não só a humanidade é certo, mas só à humanidade é que a distracção, temor ou ignorância sobre determinado assunto compete.

Penso agora, desta vez na primeira do singular, que o meu temor, ou distracção, em relação ao pensamento convicto e assumido de que vou morrer um dia, se deve ao facto de ser imprópria à minha idade. Imprópria, mas não improvável. Vivo e experimento a invencibilidade, eterna no pensamento, mas efémera no corpo.

O desígnio mais sólido da história da existência fica intermitente neste livro de Saramago. Durante oito meses, dentro das fronteiras dum determinado país ninguém morre.

Subitamente, a morte passa de um conceito, ideia, a uma personagem. É uma mulher. Implacável, perspicaz, sabia, fria. A morte regressa ao país, mas com novas regras.

Descobre a morte, que há alguém vivo que já não o deveria ser. Alguém a quem o prazo de validade terminara e seguia vivo. Não poderei ir mais longe, estaria a matar o prazer que é ler incauto este livro. No entanto asseguro-vos de que o que vem no seguimento é simplesmente, vou cair mais uma vez no vulgo, fantástico.

No dia seguinte ninguém morreu.

1 comentário:

Cristina disse...

Caí neste blog vinda não sei muito bem de onde... e deparo com um post a elogiar o melhor livro que li até hoje. Obrigada!